sábado, 18 de fevereiro de 2017

               O Porquê das Vitórias do Anarquismo Contemporâneo

            Ricardo Líper

            A principal dúvida que levava muitas pessoas a ficarem apreensivas com o anarquismo era a eliminação do Estado e do governo. Muitos preferiam a sujeição à desordem e o caos que imaginavam ocorrer se as ditaduras fossem eliminadas. Tinham medo de que os mais fortes iriam matar os mais fracos e viverem todos lutando entre si. Viviam sobre a sombra do contrato social de Rousseau.  Por isso muitos ainda se referem às ditaduras militares, ao fascismo ou mesmo ao nazismo como sinônimo de ordem e culpam, até se um trem atrasar, a democracia. Nesse sentido você pode avaliar seu grau de nazismo quando, equivocado, pensa que ordem é sinônimo de nazismo e que liberdade é desordem. Essas pessoas sofrem de anarcofobia ou mesmo liberfobia
            Entretanto a história revolveu este problema e agora está deixando claro o que significava quando os anarquistas diziam ser fundamental uma sociedade sem Estado. Cabe se perguntar o que se entendia, quando surgiu o anarquismo, como Estado e governo.
            O que ocorreu é que os anarquistas perceberam que só a liberdade é o método para organizar uma civilização e não a violência de uma ditadura seja com que nome se apresente. É, a partir da liberdade, que se deve organizar qualquer tipo de relações humanas senão elas fracassam e, sob muitos pretextos, exercem dominações que são relações de poder. Por isto os anarquistas propuseram então uma democracia verdadeira e plena e não uma falsa democracia. Daí suas micro experiências, mesmo em sociedades autoritárias, de relações humanas sem relações de poder e em sua ação política já elimina relações de poder entre seus militantes e nas formas de lutas pela liberdade de todos.
            Os anarquistas chegaram a essa conclusão porque o seu foco de pesquisa foi o poder e a liberdade. Escaparam do equívoco epistemológico de, em vez de analisar o poder e a liberdade, analisar o poder como resultado de outra coisa que não fosse nem o poder nem a liberdade. Foi um equívoco porque, na pesquisa do objeto de pesquisa que é o poder foi substituído pela economia, religiões, filosofias, mas não a análise e objeto de pesquisa ser o próprio poder. O poder passou a ser o resultado de premissas que justificavam e explicavam sua existência e, portanto, a dominação do homem pelo homem. Foi nesse equivoco epistemológico que na prática todas as revoluções se transformaram em anti-revoluções substituindo elites por elites ditadoras e possuidoras de todos os bens do país sejam com que nomes se dominaram. Tanto religiosos, marxistas, socialistas de todos os tipos, na suas práticas, nos mais variados paises e épocas, o que é diagnosticado são: ditaduras, censuras e diferenças muito grande de rendas levando grande parte a pobreza ou miséria com todas as consequências: prisões, execuções, assassinatos, assaltos etc. Esses dois sintomas: diferenças de rendas e salários e dominação através de censuras de comportamentos de todos é que diagnosticam uma sociedade autoritária com uma elite exploradora e dominadora.  
            Entretanto a história tem mostrado que os anarquistas tinham razão e resolveu a questão de propor organizar a sociedade em democracias plenas e libertárias. A solução contemporânea comprovada pelos fatos é o governo e o Estado se transformarem em administradores da liberdade. E isto está ocorrendo com muitos países que já desenvolveram democracias mais libertárias com uma qualidade de vida melhor do que em todos os países que optaram por ditaduras ou falsas democracias. Agora podemos entender o nem Deus nem o Estado dos anarquistas. Na realidade surgiram outros deuses e, se quiseram, outros Estados porque, se o Estado é democrático de fato, deixa de ser o que os anarquistas sempre chamaram de Estado como  sinônimos de dominação. Isto é, uma ditadura fingindo, ser democracia. Sendo uma organização libertária de uma sociedade o nome se é Estado ou não pouco importa. O que importa é ele ter como principal função garantir a liberdade de todos.
             As provas, da eficiência dos métodos e objetivos libertários dessa construção de uma democracia verdadeira e plena, que é o anarquismo, estão diagnosticados abaixo:

            Até bem pouco tempo muitos pensavam que:
            Não poderia existir, porque se dizia ser um caos e a desordem, uma sociedade sem reis.
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, famílias sem o pai sendo o chefe humilhando, espancando e às vezes matando mulheres e filhos.
           Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, escolas sem a palmatória e alunos sem castigos físicos e torturas psicológicas.
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, uma mulher ser médica, engenheira, militar, policial ou qualquer outra profissão a não ser dona de casa ou de prendas domésticas.
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, a separação, depois do casamento, a não ser pela morte de um dos cônjuges.
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, homens casarem com homens e mulheres casarem com mulheres.
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, aceitar que brancos, negros, amarelos, vermelhos ou que cor da pele tivessem fossem iguais e com os mesmos direitos.
          Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, que todos, independente da idade, pudessem ler, ver e dizer o que quisessem e seguir as crenças e filosofias que achassem melhor.
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem, que as pessoas se pintassem, tatuassem, se vestissem e penteassem como quisessem. Eram proibidas de serem donas de seus próprios corpos. Os seus corpos eram vampirizados pelos seus dominadores através das heterodisciplinas e do biopoder. O que os anarquistas e Foucault sempre postularam não foi a indisciplina mas a autodisciplina na qual o sujeito sujeitado supera a sujeição e enfrenta o poder como o mestre de si mesmo. Para além da educação vertical ser autônomo. Praticar a autonomia que é sempre criada por ele mesmo. Tudo que ele faz o mais importante é a prática do auto, quer dizer vindo dele mesmo. Autodisciplina, autodidata, autogestão de si mesmo.  
            Não poderia existir, porque diziam ser um caos e a desordem e, portanto, uma utopia, que os salários ou as rendas fossem semelhantes para todos.
            Teria de existirem sempre pobres e ricos, chefes e chefiados e a maioria dos seres humanos estaria condenada a ser sempre infeliz.

            Entretanto:
           
             1 - Atualmente existem leis, nos países mais desenvolvidos politicamente, que garantem que todos não podem, sob que pretexto for, ser discriminados, excluídos, humilhados, intimidados, emudecidos, espancados e assassinados. Por mais diversos que sejam todos são tratados como iguais. Diferentes mas iguais.
            2 - Que os salários ou rendas não sejam muito diferentes.
            3 - Abolir o desemprego ou, se existirem desempregados, serem mantidos dignamente pela sociedade, até conseguirem trabalhar.
            Estes sempre foram os objetivos e o programa político dos anarquistas. Estão, sendo praticados, sem dizer o nome anarquismo, nos países que têm hoje a melhor qualidade de vida para todos.
           
            A Prática Política
            O que estamos vendo atualmente são as conquistas de lutas específicas associadas: feminismo, eliminação do racismo, de todo tipo de censura, a prática do amor livre e a eliminação da miséria. Essas lutas têm conseguido garantir por leis vitórias vindo de baixo para cima e assim mudar o mundo sem tomar o poder. Ou seja, quase sempre pacificamente, pelo consenso da maioria, resultado da formação de opiniões que foram pacientemente disseminadas pelos anarquistas, para mudando mentalidades libertar milhões de pessoas da sujeição e da miséria física e moral.
            Portanto sem tomar o poder, mas transformá-lo, com as alterações de leis que proíbem para leis libertárias que garantem relações humanas sem exercício de poder. Quer dizer o poder existe só para os que quiserem exercer o poder sobre os outros. Toda desordem, crimes e violência são provocados por aqueles que querem exercer o poder sobre os outros. O anarquismo é a ética política porque respeita absolutamente a liberdade do outro  uma vez que toda e única imoralidade é não respeitar a liberdade e igualdade de todos. Sem o anarquismo não há ética. Essa é, atualmente, a vitória do anarquismo. 

            Conclusão:
            Lembrem-se que o sucesso do anarquismo e o fracasso de outras tentativas de mudar as relações de poder nas sociedades foram porque:
           1 - O anarquismo teve como seu objeto de pesquisa o poder e não a economia, religiões, filosofias ou qualquer resultado de outro objeto de pesquisa que não fosse o poder.  A sua diferença com as outras teorias políticas portanto foi epistemológica.
            2 – Incentivaram e participaram de lutas específicas associadas sem partidos ou chefes porque perceberam que tendo chefes e líderes com seus discursos sempre se tornaram novos dominadores e privilegiados ditadores quando tomaram e exercitaram o poder.
            3 - Por isto a ação anarquista sempre foi, quase sempre pacificamente, mudar o mundo sem tomar o poder. De baixo para cima e não de cima para baixo. Como se está fazendo até agora: mudando gradativa e especificamente dominações e explorações por igualdade e liberdade. E, como método de ação, mostrar sempre os absurdos da sujeição desde as microfísicas do poder para transformá-las em relações humanas sem exercício do poder. Portanto formando opiniões para mudar mentalidades e ações autoritárias. E, portanto, com o consenso da maioria, como estamos vendo no mundo quase todo, na maioria das vezes pacificamente, livrarem da submissão e de todos os tipos de misérias, milhões de pessoas em vários lugares no mundo. Os anarquistas têm, como prática política, as vezes pequenos e livres grupos de disseminação de opiniões. Isto é, no aqui e agora, sem profecias nem utopias. Esta é a vitória do anarquismo. Este é o anarquismo contemporâneo. Esses são os sucessos do anarquismo.
           

4 - Os anarquistas agem principalmente com suas análises críticas a todo tipo de dominação sugerindo e praticando alternativas libertárias. Fazem isso porque sabem que os partidos ou outras formas de lutas autoritárias são resultados de estratégias de poder criados por dominadores para melhor gerir a dominação em proveito próprio. São lutas de dominadores pelo poder. E os que pensam diferente são engolidos pelo poder. Esses partidos podem se mostrar, em alguns momentos multidões teatrais e fazer assim crer que são muito poderoso e com multidões indo atrás. Não é bem assim que é a realidade. A multidão que os segue são atores amadores que na realidade são muitas vezes pagos para as formarem, atraem também muitos oportunistas  querendo ganhar muito sem trabalhar, fracassados e os inocentes úteis que, devido a falta de perspicácia, não percebem que estão sendo massa de manobra seguindo novos ditadores. Quantos desses partidos já vimos desaparecer de uma hora para outra? Morrem muito mais partidos do que os que existem. E só os que têm vida longa é porque se entronaram no poder e chegará o dia do seu final. Os anarquistas estão, algumas vezes sem dizer o nome,  mudando o mundo sem tomar o poder e livrando  milhões de pessoas, em muitos países, da dominação e da miséria. Estas são as vitórias do Anarquismo Contemporâneo.